PEREGRINAÇÃO A APARECIDA
VOZ DO PASTOR
CARDEAL D. EUSÉBIO OSCAR SCHEID
Arcebispo da Arquidiocese do Rio de Janeiro
29 de Agosto de 2006
No sábado passado, a nossa Arquidiocese teve a alegria de levar mais de 80 mil peregrinos à Basílica de Nossa Senhora Aparecida, na capital mariana do Brasil. É uma iniciativa que repetimos todos os anos, no último sábado de agosto, e que sempre se converte em fonte de extraordinárias graças de Deus, tanto para os peregrinos, quanto para aqueles que, por algum motivo, não puderam participar. Levamos a todos, fraternalmente, em nosso coração, apresentando-os à Mãe de Jesus, para que interceda junto a seu Filho por eles.
Aparecida é um fenômeno. Permanece como sinal profético que nos atrai, tal qual ímã, exercendo forte influência sobre a espiritualidade de todos nós brasileiros. Tudo lá é imenso, contrastando com uma grande simplicidade, a começar pela própria história que deu origem àquele lugar abençoado. Em 1717, o Governador de São Paulo e das Minas Gerais, Conde de Assumar, ia passar por Guaratinguetá, e os pescadores da região foram enviados a lançar as redes para conseguirem bons peixes, que seriam servidos ao Governador.
Embora o rio Paraíba fosse então muito piscoso, o resultado da tentativa foi péssimo. Mas os três pescadores Filipe, Domingos e João insistiram. Lançaram as redes no Porto do Itaguassu, uma enseada que fica perto do lugar onde hoje se encontra a nova Basílica. Ao recolherem a rede, veio o corpo de uma imagem, que parecia ser de Nossa Senhora. Jogada novamente ao rio, a rede trouxe a cabeça da imagem. Era realmente uma imagem, semelhante à Imaculada Conceição. Estes são os fatos históricos!
Nunca se soube quem foi seu escultor. Ele a fez de terracota, material que, ao ser submetido ao calor de um forno, cria boa resistência. A imagem ficou no fundo do rio, sabe-se lá por quanto tempo, mas estava intacta. Filipe restaurou-a e guardou-a em sua casa. Quando ficou idoso, entregou-a ao filho. Este construiu um pequeno oratório, onde começou, propriamente, a grande devoção a Nossa Senhora, chamada pelo povo de “Aparecida”, pois surgiu das águas turbulentas e enlameadas do rio Paraíba. Aquele pequenino oratório tornou-se ponto de convergência para as orações e práticas piedosas dos habitantes da região.
Posteriormente, foi construída uma pequena Capela. Mas o afluxo de pessoas, vindas de lugares da circunvizinhança, aumentava sempre mais. Em 1888, foi inaugurada a antiga Basílica que permaneceu, durante muitos anos, o centro da devoção mariana em Aparecida. Hoje é preservada como bela relíquia histórica daqueles tempos pioneiros.
No final do século XIX, chegaram a Aparecida, para se encarregarem do Santuário, nossos beneméritos missionários Redentoristas, fundados por Santo Afonso de Ligório. Trouxeram um bom número de padres e de irmãos, pois havia muito a fazer. Entre outras obras, construíram um Seminário e, mais tarde, uma tipografia. Aos poucos, foram erguendo um grande complexo, formado por diversos meios de comunicação social, que continuam administrando com competência e zelo pastoral.
Em 1900, houve a primeira grande peregrinação, oriunda de São Paulo, com 1.200 peregrinos, viajando de trem. Dali em diante, as peregrinações, mais conhecidas pelo povo como “romarias”, não pararam de crescer. Este fato levou à construção da nova Basílica Nacional, iniciada em 1952, e solenemente dedicada pelo Papa João Paulo II, quando de sua primeira visita ao Brasil, em 1980. Esta obra de extraordinárias proporções atesta a magnitude da fé mariana do povo brasileiro.
Atualmente, Aparecida é o lugar que mais recebe peregrinos, no mundo inteiro. Durante o ano de 2006, até agora, para lá acorreram mais de 10 milhões de pessoas. E este número deverá crescer em 2007, com a vinda do Papa para participar da V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, que se realizará naquela cidade, provavelmente em maio. As pessoas acorrem de todo o Brasil, e até do exterior. E é interessante notar que o peregrino que vai a Aparecida, quase sempre retorna para lá.
Ao longo de todo este tempo, foram acontecendo autênticos milagres: de ordem material, com as inúmeras curas de doentes; e, principalmente, de ordem espiritual, através de incontáveis conversões. Desenvolveu-se também, muito fortemente, a veneração à Virgem Aparecida nas famílias. Famílias inteiras peregrinam para lá, ou porque levam algum doente, ou, simplesmente, pela alegria de ir rezar juntos. Isto faz a festa das crianças, que têm uma veneração muito forte pela Mamãe de Jesus. E com isso também aumentou a procura de noivos que, ou vão casar em Aparecida, ou vão receber a bênção para as núpcias, celebradas em outro lugar.
Esta é uma devoção profunda do nosso povo, que jamais devemos deixar que se esmoreça, pois, a devoção à Mãe de Jesus é o caminho mais curto e reto para experimentarmos, ainda mais, um verdadeiro amor a seu Filho, Jesus Cristo. Pude constatar freqüentemente este fato, pois vivi mais de 20 anos no Vale do Paraíba, tendo a alegria de lecionar no Seminário local, e de fazer minhas peregrinações anuais ao Santuário.
Provavelmente, nunca chegaremos a compreender tudo o que a mensagem de Aparecida quer nos ensinar. Mas devemos buscar, sempre mais, aprofundá-la, pois é sinal inquestionável do amor de Deus por nós e pela nossa terra. Ninguém sabe quem modelou a imagem, nem quem a jogou no rio, ou porque a jogou, quebrada. Talvez, por considerá-la obra imperfeita... Talvez, porque a vida da própria pessoa se tivesse estraçalhado, carente de qualquer motivação para prosseguir...
Naquela época em que a imagem foi, certamente, jogada ao rio, havia grandes fazendas ao redor de Guaratinguetá. As diferenças sociais eram perversas e reinava muita pobreza entre os negros, feitos escravos, numa odiosa degradação do ser humano. Talvez, a imagem tenha sido quebrada em protesto contra aquelas crueldades...
O fato é que ela é negra, e não tinha qualquer adorno. Foram os fiéis que lhe puseram manto e coroa, esta, doada pela própria Princesa Isabel, num gesto cheio de simbolismo. Olhando para aquela imagem veneranda, vemos Nossa Senhora assumindo a cor da parcela mais excluída e sofredora do nosso povo. Condena, assim, o racismo que, infelizmente, ainda não foi erradicado de nosso país.
Nossa Senhora apareceu... e ficou entre nós, sendo proclamada Padroeira do Brasil pelo Papa Pio XI, em 1930. A pequenez da imagem parece não coadunar-se com a grandeza da Mãe do Filho de Deus. Aponta-nos, porém, os mais pobres e abandonados, como alvo preferencial da nossa evangelização, da qual ela é a “Estrela”, segundo o Papa Paulo VI.
A Virgem de Nazaré nos faz aderir a Cristo, ensinando-nos a dizer-lhe um “sim” sem medo e sempre renovado; um “sim” professado em sua Igreja, da qual Ele é a pedra angular, e os Apóstolos os fundamentos sólidos. A Basílica Nacional de Aparecida é um dos muitos sinais materiais da verdadeira Igreja de Cristo.
Pastores e fiéis de nossa Arquidiocese para lá se dirigiram, mantendo uma tradição que perdura por 17 anos. Cada peregrinação reveste-se, sobretudo, de um sentido religioso de profundidade ímpar. Fomos à “Casa da nossa Mãe” para pedir o crescimento da fé, para intensificar a adesão, cada vez maior, a seu Filho, Cristo Jesus.
Seguindo seus passos, queremos encontrar a paz e a serenidade, no interior de nossos corações, e nas ruas de nossas cidades. Pedimos para sermos libertos de toda angústia, que gera o medo da violência. Que nosso povo possa viver com dignidade, com honradez, aprendendo a rejeitar a corrupção e a buscar o verdadeiro progresso, que nasce da educação e do trabalho. Que tenhamos o discernimento para lutar por tudo isto, a começar, agora, pelo voto consciente, que iremos exercer em breve.
“Viva a Mãe de Deus e nossa, sem pecado concebida!
Viva a Virgem Imaculada! Ó Senhora Aparecida!”